Maria Amélia Bulhões
A oitava edição da Bienal de Artes Visuais do MERCOSUL foi inaugurada neste sábado, agitando a cidade e toda a região sul do país. Apresentada pelo curador geral José Roca como uma mostra voltada ao público local, que não freqüenta grandes mostras internacionais, ela traz algumas obras mais antigas, bastante conhecidas dos especialistas da área, ao lado de obras inéditas de jovens artistas. O que unifica este conjunto é o tema geral da proposta curatorial – Ensaios de Geopolíticas – apresentado através de sete segmentos. Casa M, o primeiro a ser aberto ao público, foi comentado anteriormente nesta coluna – É uma casa muito, muito, especial. Dois outros deles se encontram nos armazéns do cais do porto: Geopoéticas, com curadoria de José Roca e Cadernos de Viagem, com curadoria de Alexia Tala. Um terceiro segmento Cidade Não Vista, com curadoria de Cauê Alves, se distribui pelo centro em diversos locais. No Museu de Arte do RGS, MARGS, está a mostra Além Fronteiras, com curadoria de Aracy Amaral, e no Santander Cultural, a mostra de Eugenio Dittborn, artista chileno homenageado dessa Bienal.
A Bienal, que é o maior, mais importante e mais caro evento de artes visuais na cidade e no Estado, será abordada aqui através de cada vez um dos seus segmentos, que estarão disponíveis para visita ao longo do período da mostra, entre 10 de setembro e 15 de novembro. Como a Casa M já foi abordada, passaremos, agora, para os Cadernos de Viagem. A escolha desse segmento levou em conta dois aspectos: primeiro, numa abordagem do território do Estado, numa proposta de partir do local para o global. O segundo aspecto, foi de ordem prática, já que essa mostra envolve 9 artistas, um pequeno número diante das demais, permitindo o tratamento dentro do curto prazo entre a abertura da Bienal para imprensa e a abertura para o grande público.
Cadernos de Viagem pode ser pensado como uma continuidade à proposta já apresentada por Ticio Escobar na sexta edição da Bienal Três Fronteiras, abordando a relação local/global. Naquela ocasião, quatro artistas foram convidados a visitar a região de Foz do Iguaçu, onde se encontram as três fronteiras Brasil, Argentina e Paraguai, para, a partir de suas experiências nestes deslocamentos desenvolverem suas práticas artísticas. Na mostra atual, os trajetos foram feitos pelo território do Rio Grande do Sul, que foi percorrido por 9 artistas, dando origem às diferentes propostas que estão documentadas na exposição. Elas expressam uma forte interação com estes espaços geoculturais, e constituem a memória dessas viagens. A curadora, em seu texto no catálogo, destaca a temática da viagem como uma forma de relação com os territórios e a importância dos diferentes olhares que possibilita. Um grande mapa do Estado, desenhado na parede ao fundo do espaço expositivo do Armazém A7, apresenta o traçado dos trajetos de cada um dos artistas envolvidos.
Os primeiros três artistas trabalham com comunidades, buscando estabelecer diálogos interculturais e explorar aspectos das culturas locais, em sua trajetória pelo território. Beatriz Santiago, de Porto Rico, apresenta um vídeo de 8 min, produzido com imagens de operários na saída das fábricas, em Caxias do Sul. Num exercício de antropologia visual, a artista documenta este momento em que eles passam de uma condição de figura coletiva imaginária de trabalhadores para posição em que recuperam sua condição de individualidade. Acoplado ao vídeo, uma improvisação sonora realizada por um grupo de músicos da cidade.
Bernardo Oyarzún, do Chile, viveu durante 18 dias na aldeia de Koenju, da etnia Mbyá-Guarani na região das Missões. Ali ele deu continuidade a seu trabalho em torno da identidade indígena. Sua obra está organizada em duas partes: um texto composto de letras fabricadas em barro, escrito em Guarany, cujo sentido para ele resume a própria cultura apresentada, e um vídeo em que um indígena vestido à ocidental, com o rosto pintado relata um conto em língua Guarany.
A dupla Kochta & Kallein, da Finlândia desenvolveu, com a comunidade de Teotônia, uma performance gravada em vídeo, sob a forma de um coro, cuja letra da música cantada são reclamações sobre coisas do cotidiano da população. Esse projeto “coro de queixas” já foi desenvolvido com outras comunidades, em outros países.
Dois artistas trabalharam com a temática da paisagem local, buscando revisá-la dentro de suas respectivas iconografias pessoais. Marco Sari, de Porto Alegre, realizou interferências na paisagem da região de Bagé, cuja planaridade do espaço, onde o verde e o azul se encontram foi destacada. Em uma foto, apresentou uma vista do horizonte, em que um tecido verde colocado frente à câmara torna mais acentuada esta cor no ambiente fotografado. Também trabalhou com cadernos de desenho, onde linhas horizontais em verde e azul tentam reproduzir de forma poética a paisagem visitada.
Nick Rands, da Inglaterra, realizou uma viagem seguindo um trajeto, desenhado por ele na forma de um quadrado sobre o mapa. Neste trajeto, de forma sistemática em uma kilometragem definida apriori por ele, foi coletando terra e fazendo fotos do céu. O trabalho apresenta seus tradicionais quadrados pintados na parede com a terra coletada e com pontos que remetem aos 84 locais onde recolheu as terras. Em parede oposta são apresentadas, em back light, três imagens simultâneas dos céus fotografados nestes mesmos pontos, que vão se alyernando.
A experiência da fronteira como uma problemática geopolítica atraiu outros dois artistas, que a visitaram de formas bem pessoais. Sebastian Romo, do México, deslocou-se pela região de Riveira, entre Brasil e Uruguai, fotografando marcos de fronteira e documentando a vida neste espaço fluido, em que as nacionalidades se interconectam. Sua obra se constitui, de um lado, de uma retomada de seu atelier e da documentação coletada, e de outro, da reprodução cenográfica de um posto de fronteira. É possível ao espectador transitar por estes dois espaços vivenciando a viagem de seu autor. Marcelo Moscheta, de Campinas, realizou o que denomina Deslocando territórios, uma coleta de pedras na região da fronteira que põe em questão a temática das fronteiras ao transportá-las de um lado a outro dos territórios uruguaios e brasileiros. Na Bienal, expôs essas pedras, com placas catalogando os dados cartográficos dos lugares de onde foram retiradas. É um ato simbólico que se enquadra em seu projeto arqueológico de organização da paisagem natural.
Mais preocupados com as questões da imagem e suas representações, outros dois artistas buscaram elementos das culturas locais para discutir repertórios estéticos ou estilísticos. Maria Elvira Escallón, da Inglaterra, vivendo na Colômbia,esteve visitando a região das Missões e realizou intervenções escultóricas – colunas, capteis e outros detalhes arquitetônicos – em arvores nativas. Assim, ela imprime na natureza signos do processo cultural desenvolvido nesta região pela ação dos jesuítas junto aos indígenas, cuja memória vai se perdendo com o tempo. Mateo López, da Colômbia, visitou a cidade de Ilópolis, no interior do Estado, onde fez apontamentos, sob forma de desenhos que organizou no que ele define projeto para um jornal. O artista conecta formas da natureza com estruturas geométricas, criando o que poderia ser um texto visual, legível como a escrita.
Em seu conjunto, a mostra se constitui em uma instigante oportunidade de visitar nosso próprio ambiente geopolítico de uma forma inusitada e poética, conduzidos pelas experiências de viagem dos artistas convidados. Acredito que esta seja uma boa forma de olharmos com mais curiosidade e interesse um território que nos circunda e que muitas vezes pouco conhecemos.
Fonte: Site Sul 21

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